sexta-feira, 10 de abril de 2015

De cabana a tenda


 
 Nos últimos meses a palavra que mais pronunciamos e vivenciamos é mudança. Mudamos de casa e, finalmente, para uma casa. Estamos desfrutando do que sonhávamos há algum tempo, um quintal. E aqui estamos vivendo um pedacinho do céu, um mergulho na natureza de uma forma intensa, com árvores por todos os lados, frutas, passarinhos, barulhos estranhos e incomuns, sendo o maior deles o silêncio. Sim, o silêncio faz barulho, principalmente quando nossos ouvidos estão viciados no barulho da cidade, com motos e carros a mil, obras, ambulância, helicóptero, gente falando, TV alta. Aqui, todos esses barulhos são agressivos ao ouvido, pouco se ouve música ou assiste TV, pois o canto dos pássaros e o barulho das árvores, além de encantar nossos ouvidos, preenche o coração. À noite, as luzes da cidade não incomodam, ao invés disso, apreciamos a luz da lua começar a brilhar no céu e contemplamos as estrelas sobre nossas cabeças. Nossa casa não fica mais suja da poeira das obras ao nosso redor, mas sim da terra que pisamos em nosso quintal.

   Às vezes me sinto na serra ou morando no interior, como digo “na roça”, mas continuamos em Florianópolis. Apenas encontramos uma rua pouco habitada, em um bairro com natureza exuberante. Um verdadeiro contraste com o centro da cidade de onde viemos.

   

   Em apenas um mês meus filhos já vivenciaram muitas coisas que talvez em anos não iriam experimentar morando em um apartamento. O quintal nos dá possibilidades diferentes todos os dias, mesmo quando parece que nada vai acontecer, um pedaço de madeira faz toda a diferença, transforma-se em um bastão para desenharmos nossa família na terra. As folhas secas que caem das árvores são nossas roupas, que cada dia tem cores diferentes. Também podemos brincar de amarelinha ou desenhar um sol enorme, logo em seguida apagar tudo e observar as formigas caminhando pelo chão.
   Aqui estamos aprendendo muitas coisas. Já conhecemos o barulho da gralha azul e do aracuã e quando vemos um pica-pau no pé de caqui do terreno ao lado paramos tudo e vamos observá-lo. As borboletas também enriquecem a paisagem, amarelas, coloridas, escuras, dentro de casa, fora de casa. Enfim, a natureza está em tudo e nós estamos aprendendo a estar nela também.


   
   

   As brincadeiras tem novo cenário. O quarto é só para dormir e agora temos uma brinquedoteca onde as crianças aprendem a brincar juntas, compartilhar brinquedos e espaços. As cabanas transformaram-se em tendas no quintal, onde o Nathan vai descansar com os bichinhos e a Ágatha vai descobrir o mundo. Os lençóis são presos nas árvores e o pallet é a cama para o Nathan descansar. Uma nova forma de enxergar os ambientes e abrir o olhar para além das quatro paredes da casa, que são antigas e sem planejamento. Mas o que isso importa se o que há de mais belo e planejado está no que podemos ver através dos vidros da casa? O velho torna-se insignificante, pois sempre tem algo novo preenchendo nosso olhar lá fora. Almoçar olhando as árvores, brincar olhando as flores no jardim, estender roupa sentindo o vento no balançar das folhas. Tudo isso é revigorante, restaurador e inspirador. O dia torna-se mais significativo. Conseguimos perceber o ritmo da natureza, do nascer do sol ao entardecer. A natureza muda a paisagem a todo instante, as folhas refletem a luz do sol de diferentes formas ao longo do dia. Os pássaros cantam em diferentes momentos. Sempre há algo novo, uma flor que morreu, outra que nasceu. As laranjas que caíram no quintal, os caracóis que vieram com suas casas na parede depois da chuva. Tudo pode ser apreciado, pois está aqui para isso. Um belo quadro que muda todos os dias para continuarmos aprendendo e vivendo melhor.
   Estamos numa nova energia, em um novo movimento, aprendendo novas coisas e desaprendendo coisas antigas. Desapegar do velho faz parte do novo, isso dá medo e ao mesmo tempo encoraja. Meus filhos só buscam o novo, não possuem velhas roupas em seu corpo. Por isso, abraçam o novo com toda sua força. A Ágatha chegou aqui engatinhando e ficando em pé apoiada nos objetos. Agora, engatinha numa velocidade triplicada, caminha apoiada nos objetos, sobe todos os degraus da casa e sua maior diversão no momento é provar as folhas que existem no quintal e sair engatinhando atrás da cachorra. Sim, nossa família aumentou e agora temos alguém especial, a Belinha, que veio encher nossas vidas de alegria e deixar o ambiente mais ativo do que já é. As crianças adoram correr com ela e nós adoramos ver tudo isso! Uma cachorrinha especial, que surgiu através de uma vizinha do nosso apartamento. Ela é muito dócil, mas sofreu maus tratos e ainda é arisca e assustada. Estamos criando laços e nos apaixonando a cada dia, para em breve estarmos totalmente integrados e unidos. Mas chegar em casa e ter uma cachorrinha esperando abanando o rabo é um felicidade e tanto! O Nathan já conquistou seu coração, quando ele chega seu comportamento muda. Eles brincam, ele diz que ela brinca de chutar com ele e se divertem a todo momento. Um sonho realizado, pois a cachorra só viria quanto tivéssemos um quintal. Agora, segundo ele, só falta o bode, pois o cavalo já tem no haras aqui perto, mas o bode ele quer ter para colocar cela e ir visitar seu amigo que mora aqui perto. Mas acho que esse só num sítio mesmo!
   A cada dia experimentamos algo novo. Um novo sabor, uma nova textura, um novo olhar. Apreciar o que é belo é um treino, pois a paisagem cinza e sem vida domina a cidade e quando nos deparamos com tanta beleza natural nem conseguimos desfrutar de tudo. Mas aos poucos vamos tirando esse casco duro e nos moldando ao movimento das árvores e dos pássarsos.

“A natureza não faz milagres, faz revelações”
(Carlos Drummond de Andrade)


E que estas revelações cheguem em nossas vidas para que vivamos mais e melhor!




“Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.