Sempre acreditei que se doar aos outros produz cura, alegria
e esperança. Vivenciei isso em grupos, visitas a hospitais, palestras e
discussões onde dava de mim, compartilhava minhas experiência, ajudava os outros
e também era ajudada. Pois quando doamos de nós, ganhamos em dobro, curamos
nossas feridas, resgatamos sentimentos, nos descobrimos e crescemos. O coração
fica maior e a alma mais leve.
“Só há um modo de escapar de um lugar: é sairmos de nós.
Só há um
modo de sairmos de nós: é amarmos alguém”.
(Mia Couto)
Hoje fui fazer uma visita, a um bebê recém chegado a esse
mundo e a uma recém mãe, grande amiga minha. Um encontro de mães, com emoção no
olhar e o frescor de ver tanta perfeição em um ser tão pequeno. Meus filhos
encantados com o minúsculo pé, o rostinho pequeno e o umbigo escuro, como disse
o Nathan. E eu emocionada ao ver minha amiga de infância, agora mãe.
Uma visita a ela e aos meus sentimentos e lembranças da
maternidade, dos primeiros dias, do primeiro mês, do primeiro filho, da segunda
filha... As dificuldades, os acertos, o amor sem fim recém descoberto e a
dualidade de sentimentos tão presente nesse pós parto. Ela contando de sua mais
nova experiência e eu revivendo as minhas. Em muitos momentos me via ali como
ela sentada tentando entender o choro do meu bebê, procurando uma solução
dentre as poucas possibilidades que tinha no meu mais novo acervo materno. E
por incrível que pareça os desafios dela também foram os meus, os sentimentos
dela eu também senti e as soluções só vieram com o tempo, a medida que fui
conhecendo meu bebê, me conhecendo, adquirindo segurança e equilibrando minhas
emoções para ele também se equilibrar. E esse equilíbrio até hoje busco quando
lido com meus filhos e aprendo a lidar com as emoções deles e as minhas.
Os sentimentos vividos me levaram a reflexões sobre a libertação
de sentimentos ocultos e pouco valorizados, a cura de experiências que passei,
a aceitação da vida e o que ela me trouxe. Muitas vezes não entendemos porque
passamos por certas situações, o que deu errado, o que faltou. Teoricamente, elas servem para ajudarmos
outras pessoas, para nos tornarmos pessoas melhores, para crescermos
espiritualmente. Vivencialmente parecem não servirem para nada, apenas para
atrapalhar, principalmente por não entendermos seus significados.
Já consegui ajudar pessoas compartilhando minhas experiências,
mas perceber que estou me ajudando, curando minhas feridas ao falar sobre o que
vivi e perceber que aquilo produz tranquilidade, confiança e certeza de que o
desafio faz parte, que a emoção é natural e que tudo vai melhorar tanto para
ela quanto para mim, nunca tinha vivenciado de forma tão intensa.
O assunto foi amamentação, aquele momento desafiador e lindo
para mulher, onde ajustes precisam ser feitos para que o bebê aprenda a mamar e
a mãe aprenda a se doar e todos fiquem felizes e satisfeitos. Muito vivi e
pouco falei sobre isso até hoje, talvez porque ainda viva muito dentro de mim
as experiências que passei, mas a credito que a vida nos dá oportunidade de
falar, expressar e soltar toda essa vivência para que alcance outros e
transforme dentro e fora.
E hoje me senti transformada ao compartilhar o que passei, o
que senti, o que busquei, o que lutei. Enquanto ela tentava acalmar sua filha
chorando de fome dando o peito eu e minha mãe nos olhávamos lembrando da minha
luta para que o peito fosse o único alimento da minha filha. Enquanto ela
tentava entender o choro do seu bebê, eu lembrava das noites em que minha filha
chorava e eu achava que era cólica, sono, birra e ao final de um mês buscando inúmeras
explicações descobri que era fome, por conta do seu baixo peso, pois ela não pegava o seio corretamente, passava
fome, mesmo eu tendo leite de sobra para ela.
Nunca imaginei que passaria por essa experiência, afinal
amamentar parece ser algo tão simples e básico para uma mãe. Nunca imaginei que
sentiria tanta dor por não amamentar minha filha e que para alimentá-la
precisaria oferecer um bico de silicone, um recipiente de plástico e um pó
misturado com água cheio de açúcar. Acredito muito na amamentação, nos benefícios
do leite materno e no vínculo da mãe com o bebê. Lutei incansavelmente durante
45 dias, visitando bancos de leite, recebendo orientação de doula, utilizando
de todas as técnicas que me ensinaram. Abandonei meu filho e meu marido, gastei
minhas forcas até chegar a um esgotamento emocional. Fui até onde minha
determinação e meu coração levaram-me. Mas ela se incomodava ao mamar e até hoje não sei por quê. Após esse dia decidi dar mamadeira com o
leite materno que consegui bombear por mais algumas semanas e com a fórmula. Depois desse dia o choro diminuiu, ela se acalmou e voltamos a ser uma família, com remendos, resgate de vínculos e reconstrução de
sentimentos. As mamadeiras eram dadas com sofrimento, e demorei a aceitar que
aquela forma de alimentar minha filha também oferecia a ela vínculo, amor e
sustento para seu crescimento emocional.
Tudo que vivi foi intenso, doloroso e inesquecível. Acredito
que existem muitas formas de curar nossas feridas, com remédios, terapias,
experiências espirituais, grupos de apoio, encontros... Entretanto a vida nos
oferece oportunidades de darmos de nós para os outros e isso cura tanto o outro
como a si mesmo. Nada melhor do que um gesto de amor, empatia e amizade, um
ouvido atento para escutar, um olhar para ver o coração e tempo.
Quando olhamos para as flores no caminho temos a oportunidade
de ver alem das pedras e perceber que há beleza na dor do caminhar. Se
observarmos a vida nos oferta com lindas flores para que passemos pelas pedras
e sigamos em frente.
Uma tarde libertadora, onde a angustia de uma nova mãe, com
sentimentos confusos, informações cruzadas, bebê chorando e o aprendizado da
amamentação trouxeram para mim um reflexo de como fui e do que ainda há dentro
de mim a respeito do que vivi. Além da oportunidade em compartilhar o que senti
e estar certa de que desafios alheios podem me fazer superar obstáculos,
alcançar vitorias, libertar sentimentos e reconhecer que as dificuldades tem um
significado, uma razão para existir.
“...da flor esmagada, se obtém o perfume
Dos sonhos quebrados, o amor que nos une,
Do favo espremido, o mais puro mel
Esquecer de si mesmo, leva aos prazeres do céu...”
(Vento Selvagem – Estevão)
Uma tarde onde ela aprendeu a slingar e ficar mais próxima e aconchegada do seu bebê com
o presente que levei e eu aprendi o sabor amargo pode ser transformado em doce
se for adoçado com amor.
Gabi, a você um agradecimento por essa amizade e pela
oportunidade em te conhecer como mãe!