Mais um outono chegou e pela
segunda vez estamos acompanhando o cair das folhas, o entardecer mais cedo e as
deliciosas laranjas da nossa “roça”. Já faz um ano que estamos aqui, morando
numa casa com quintal, aprendendo, desfrutando, apreciando e vivendo imersos na
natureza!
“Tenho vivido em paz
Voltado a ser criança
E agora, todo dia
O sol invade
A minha vida...”
Voltado a ser criança
E agora, todo dia
O sol invade
A minha vida...”
Moramos numa casa simples,
telhadinho duas águas, cerca de arame, casa construída com pouco planejamento e
muitas imperfeições. Por todos os lados vemos canos e fios aparentes, coisas
que funcionam e depois deixam de funcionar, mas que logo em seguida funcionam
novamente. Aqui, há muitos degraus, em quase todos os cômodos, devido aos
desníveis da casa. Isso faz dos nossos filhos muito ágeis, ao contrário de mim
que fico cansada de tanto sobe e desce.
A perfeição vem da natureza, que
circunda esta casa com uma mata nativa, árvores frutíferas antigas e uma
vegetação quase que intocável. Um entorno encantador e quase não visto nesta
ilha onde muito se constrói e pouco se preserva. É aqui que vivemos e vemos o
mundo com um novo olhar...
Nesse último ano pude aprender
sobre a natureza muito mais do que na minha vida inteira e adquiri maior
conhecimento que meus cadernos de escola ofereceram. Observei a mudança na
posição do sol ao longo das estações, o cair das folhas e florescer das árvores, as noites longas, os dias longos, o vento forte, a chegada do inverno,
o mofo vindo da umidade, a infinidade de insetos que existe, como cada árvore
tem folhas diferentes, o trabalho incessante das formigas carregando alimentos.
Enfim, eu vivencio os ciclos da natureza e cada vez mais me sinto inserida nela.
Também vi muitas belezas... uma
teia de aranha cheia de gotinhas da chuva que mais parecia uma renda decorando
o quintal. O ciclo da lagarta e da borboleta que acompanho todos os dias quando
passeio pelo quintal com minha filha no sling para ela tirar uma soneca. As
flores de laranjeiras que transformaram meu quintal num lindo tapete branco e
perfumaram minha casa na primavera. A lua cheia que clareia nossas noites como
uma grande e forte luz.
“...Andar descalça faz
Parte do que mais gosto
E simplesmente amar
É nisso que eu aposto...”
Parte do que mais gosto
E simplesmente amar
É nisso que eu aposto...”
Aqui a beleza é intensa, tudo tem
vida, cor, cheiro, movimento. Nada é parado, tudo tem seu momento e seu ritmo.
A natureza é respeitada e move nossos dias. Quando morava em apartamento, uma
simples formiga incomodava e atrapalhava aquela paisagem estática e monótona.
Nessa casa cada ser vivo tem sua razão para existir, teu seu valor e
naturalmente é respeitado. Paramos para ver as formigas caminhando, os pássaros
cantando, a abelha fazendo o mel... Quando estamos na natureza, tudo que vem
dela tem mais valor. Nossa música vem do quintal, com cigarras e pássaros
cantando diferentes músicas ao longo do dia. Inspiração para o trabalho e para
as brincadeiras.
“...Tenho brincado a sós
Tento pegar o vento
E agora, todo dia
Uma rosa invade
O meu pensamento...”
Tento pegar o vento
E agora, todo dia
Uma rosa invade
O meu pensamento...”
Também descobri os desafios de
uma casa, com areia por todos os cômodos e sofá sempre cheio de pedrinhas que
chegam com os pés das crianças. A grama cresce rápido e a cerca viva também! Enfrentamos
o mofo que tomou conta de moveis, brinquedos e roupas devido a umidade
excessiva. Aprendi a beleza e a dificuldade de ter uma horta, que tenta se
reerguer depois de uma linda e custosa colheita de tomates, mas que atualmente
está praticamente desativada.
“...Dizer que "nunca mais"
Não digo, é tanto tempo
Mas se eu tiver que chorar
Que seja só um breve momento
Só um breve momento...”
Não digo, é tanto tempo
Mas se eu tiver que chorar
Que seja só um breve momento
Só um breve momento...”
Morar aqui faz eu ter coragem e
enfrentar medos para expulsar bichos indesejados e perigosos, ver meus filhos
pularem, correrem, se machucarem e superarem seus limites sem que eu me desespere.
Morar aqui faz eu ser quem eu quero ser e o silêncio me ajuda a ter clareza nos
pensamentos. Morar aqui me traz paz para educar meus filhos com tranquilidade e
criar meus trabalhos com mais inspiração. Morar aqui me faz feliz!
Se eu vivo tudo isso, meus
filhos, que estão descobrindo o mundo vivem muito mais. Nathan adotou o pé de
figo como sua segunda morada. Molha, cuida, passeia por ele, treina inúmeras
acrobacias e colhe os figos. Meu marido traçou alguns bambus que passam entre
as árvores e agora o Nathan tem um verdadeiro circuito ao redor do “pé de
figos”, como ele chama.
Nathan nas alturas e Ágatha na
terra com diferentes experimentos nos potinhos, pás e colheres. Passa longos
tempos mexendo e sentindo a terra em suas mãos e pés. Sente a terra seca,
molhada, com folhas, pedras maiores, formigas e se concentra nas suas
experiências. Faz bolos, pizzas e brigadeiros com seu irmão e eu tenho o
privilégio de provar todas essas delicias culinárias!
Nessa vivência de quintal tivemos
muitas experiências... as crianças transformaram o buraco do fogo de chão em
pescaria durante o logo período de chuva que tivemos. Com água puderam tomar
banho de mangueira, molhar as plantas, pular na poça, tomar banho na caixa
d’água, lavar a garagem e brincar na lama. Também construímos... prédios,
janela, muro, corrida com obstáculos, barco de pallets, carro com folhas, cabanas,
trem com caixa de papelão e tantos outros empreendimentos que agora não lembro.
Morando numa casa podemos dar
espaço para as crianças respirarem, expandirem e contraírem seus movimentos da
forma que necessitam, num ir e vir dentro e fora de casa como necessitam e
conforme seus corpos precisam se desenvolver. Futebol intercalado com desenhos,
corrida intercalada com blocos de encaixar. Uma expansão e contração de
movimentos para que o desenvolvimento físico vá ao seu limite de exploração, o
corpo gaste muita energia e logo em seguida contraia-se para atividades menos
expansivas onde haverá concentração e um tempo quieto para o corpo descansar e
absorver todo esse desenvolvimento que teve. Quando há consciência dessa
necessidade e espaço apropriado para tal esse movimento flui naturalmente numa
rotina livre que caminha nesse ir e vir, dentro e fora, grande e pequeno. Isso
deixa as crianças tranquilas, sem excesso nem falta de energia, pois suas
necessidades são atendidas e elas crescem conforme seus corpos pedem.
Sei que essa não é a realidade da
maioria das pessoas que vivem e educam seus filhos em apartamento. Vivi essa
experiência por quase quatro anos e as vezes nem com toda a criatividade e
disposição que tinha era possível atender ao que o Nathan precisava. E hoje
vejo que o que ele precisava era de espaço ao ar livre em livre demanda,
conforme seu corpo precisa e sua alma pede e não com hora marcada no parque ou
na pracinha. Tem dias que ele só olha a natureza pela janela, outros passa horas
dando voltas no quintal. A Ágatha, às vezes se contenta com um passeio pela
frente da casa, mas na maioria das vezes precisa mexer na terra e ir no balanço
para ter uma tarde alegre e tranquila. Tenho certeza que vale a pena todo o
esforço para oferecer um quintal aos meus filhos. Numa casa há espaço para
criar, observar o mundo no ritmo que cada um consegue assimilar, ver a vida
passar seguindo o vôo dos pássaros e perceber o frio chegando não porque todos
usam casacos, mas porque as folhas caem.
As experiências não param. Viver
aqui é um eterno descobrir. Ao contrário da paisagem construída pelo homem, a
paisagem criada por Deus sempre esta em movimento e sempre nos leva a um novo
ciclo. O que esta ao redor penetra na alma e transforma. A natureza preenche
sem sufocar, o colorido ilumina sem ofuscar. A música dos pássaros é constante,
mas não irritante. Tudo esta em sintonia, a natureza vive em harmonia e é muito
bom sintonizar nessa estação, ouvir essa música e ter a alma colorida pelo
brilho da natureza.
Viver aqui é transformador!
“...Tenho vivido em paz
Voltado a ser criança
E agora, agora e sempre
Terei doces lembranças”
Voltado a ser criança
E agora, agora e sempre
Terei doces lembranças”
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