domingo, 17 de abril de 2016

Segundo outono

   Mais um outono chegou e pela segunda vez estamos acompanhando o cair das folhas, o entardecer mais cedo e as deliciosas laranjas da nossa “roça”. Já faz um ano que estamos aqui, morando numa casa com quintal, aprendendo, desfrutando, apreciando e vivendo imersos na natureza!
“Tenho vivido em paz
Voltado a ser criança

E agora, todo dia
O sol invade
A minha vida...”

   Moramos numa casa simples, telhadinho duas águas, cerca de arame, casa construída com pouco planejamento e muitas imperfeições. Por todos os lados vemos canos e fios aparentes, coisas que funcionam e depois deixam de funcionar, mas que logo em seguida funcionam novamente. Aqui, há muitos degraus, em quase todos os cômodos, devido aos desníveis da casa. Isso faz dos nossos filhos muito ágeis, ao contrário de mim que fico cansada de tanto sobe e desce.
   A perfeição vem da natureza, que circunda esta casa com uma mata nativa, árvores frutíferas antigas e uma vegetação quase que intocável. Um entorno encantador e quase não visto nesta ilha onde muito se constrói e pouco se preserva. É aqui que vivemos e vemos o mundo com um novo olhar...



   Nesse último ano pude aprender sobre a natureza muito mais do que na minha vida inteira e adquiri maior conhecimento que meus cadernos de escola ofereceram. Observei a mudança na posição do sol ao longo das estações, o cair das folhas e florescer das árvores, as noites longas, os dias longos, o vento forte, a chegada do inverno, o mofo vindo da umidade, a infinidade de insetos que existe, como cada árvore tem folhas diferentes, o trabalho incessante das formigas carregando alimentos. Enfim, eu vivencio os ciclos da natureza e cada vez mais me sinto inserida nela.
   Também vi muitas belezas... uma teia de aranha cheia de gotinhas da chuva que mais parecia uma renda decorando o quintal. O ciclo da lagarta e da borboleta que acompanho todos os dias quando passeio pelo quintal com minha filha no sling para ela tirar uma soneca. As flores de laranjeiras que transformaram meu quintal num lindo tapete branco e perfumaram minha casa na primavera. A lua cheia que clareia nossas noites como uma grande e forte luz.

“...Andar descalça faz
Parte do que mais gosto
E simplesmente amar
É nisso que eu aposto...”

   Aqui a beleza é intensa, tudo tem vida, cor, cheiro, movimento. Nada é parado, tudo tem seu momento e seu ritmo. A natureza é respeitada e move nossos dias. Quando morava em apartamento, uma simples formiga incomodava e atrapalhava aquela paisagem estática e monótona. Nessa casa cada ser vivo tem sua razão para existir, teu seu valor e naturalmente é respeitado. Paramos para ver as formigas caminhando, os pássaros cantando, a abelha fazendo o mel... Quando estamos na natureza, tudo que vem dela tem mais valor. Nossa música vem do quintal, com cigarras e pássaros cantando diferentes músicas ao longo do dia. Inspiração para o trabalho e para as brincadeiras.

“...Tenho brincado a sós
Tento pegar o vento
E agora, todo dia
Uma rosa invade
O meu pensamento...”

   Também descobri os desafios de uma casa, com areia por todos os cômodos e sofá sempre cheio de pedrinhas que chegam com os pés das crianças. A grama cresce rápido e a cerca viva também! Enfrentamos o mofo que tomou conta de moveis, brinquedos e roupas devido a umidade excessiva. Aprendi a beleza e a dificuldade de ter uma horta, que tenta se reerguer depois de uma linda e custosa colheita de tomates, mas que atualmente está praticamente desativada.

“...Dizer que "nunca mais"
Não digo, é tanto tempo
Mas se eu tiver que chorar
Que seja só um breve momento
Só um breve momento...”

   Morar aqui faz eu ter coragem e enfrentar medos para expulsar bichos indesejados e perigosos, ver meus filhos pularem, correrem, se machucarem e superarem seus limites sem que eu me desespere. Morar aqui faz eu ser quem eu quero ser e o silêncio me ajuda a ter clareza nos pensamentos. Morar aqui me traz paz para educar meus filhos com tranquilidade e criar meus trabalhos com mais inspiração. Morar aqui me faz feliz!


   
   Se eu vivo tudo isso, meus filhos, que estão descobrindo o mundo vivem muito mais. Nathan adotou o pé de figo como sua segunda morada. Molha, cuida, passeia por ele, treina inúmeras acrobacias e colhe os figos. Meu marido traçou alguns bambus que passam entre as árvores e agora o Nathan tem um verdadeiro circuito ao redor do “pé de figos”, como ele chama.

   
   Nathan nas alturas e Ágatha na terra com diferentes experimentos nos potinhos, pás e colheres. Passa longos tempos mexendo e sentindo a terra em suas mãos e pés. Sente a terra seca, molhada, com folhas, pedras maiores, formigas e se concentra nas suas experiências. Faz bolos, pizzas e brigadeiros com seu irmão e eu tenho o privilégio de provar todas essas delicias culinárias!
   Nessa vivência de quintal tivemos muitas experiências... as crianças transformaram o buraco do fogo de chão em pescaria durante o logo período de chuva que tivemos. Com água puderam tomar banho de mangueira, molhar as plantas, pular na poça, tomar banho na caixa d’água, lavar a garagem e brincar na lama. Também construímos... prédios, janela, muro, corrida com obstáculos, barco de pallets, carro com folhas, cabanas, trem com caixa de papelão e tantos outros empreendimentos que agora não lembro.



    Morando numa casa podemos dar espaço para as crianças respirarem, expandirem e contraírem seus movimentos da forma que necessitam, num ir e vir dentro e fora de casa como necessitam e conforme seus corpos precisam se desenvolver. Futebol intercalado com desenhos, corrida intercalada com blocos de encaixar. Uma expansão e contração de movimentos para que o desenvolvimento físico vá ao seu limite de exploração, o corpo gaste muita energia e logo em seguida contraia-se para atividades menos expansivas onde haverá concentração e um tempo quieto para o corpo descansar e absorver todo esse desenvolvimento que teve. Quando há consciência dessa necessidade e espaço apropriado para tal esse movimento flui naturalmente numa rotina livre que caminha nesse ir e vir, dentro e fora, grande e pequeno. Isso deixa as crianças tranquilas, sem excesso nem falta de energia, pois suas necessidades são atendidas e elas crescem conforme seus corpos pedem.




   
   Sei que essa não é a realidade da maioria das pessoas que vivem e educam seus filhos em apartamento. Vivi essa experiência por quase quatro anos e as vezes nem com toda a criatividade e disposição que tinha era possível atender ao que o Nathan precisava. E hoje vejo que o que ele precisava era de espaço ao ar livre em livre demanda, conforme seu corpo precisa e sua alma pede e não com hora marcada no parque ou na pracinha. Tem dias que ele só olha a natureza pela janela, outros passa horas dando voltas no quintal. A Ágatha, às vezes se contenta com um passeio pela frente da casa, mas na maioria das vezes precisa mexer na terra e ir no balanço para ter uma tarde alegre e tranquila. Tenho certeza que vale a pena todo o esforço para oferecer um quintal aos meus filhos. Numa casa há espaço para criar, observar o mundo no ritmo que cada um consegue assimilar, ver a vida passar seguindo o vôo dos pássaros e perceber o frio chegando não porque todos usam casacos, mas porque as folhas caem.
   As experiências não param. Viver aqui é um eterno descobrir. Ao contrário da paisagem construída pelo homem, a paisagem criada por Deus sempre esta em movimento e sempre nos leva a um novo ciclo. O que esta ao redor penetra na alma e transforma. A natureza preenche sem sufocar, o colorido ilumina sem ofuscar. A música dos pássaros é constante, mas não irritante. Tudo esta em sintonia, a natureza vive em harmonia e é muito bom sintonizar nessa estação, ouvir essa música e ter a alma colorida pelo brilho da natureza. 
   Viver aqui é transformador!



“...Tenho vivido em paz
Voltado a ser criança
E agora, agora e sempre
Terei doces lembranças”


(Simplesmente Viver - Flávia Wenceslau)

Nenhum comentário:

Postar um comentário